O ÍNDICE PREVISTO A TÍTULO DE REAJUSTAMENTO REFLETE, EFETIVAMENTE, AS VARIAÇÕES DOS PREÇOS NO MERCADO ATUAL?


Mauricio Gazen
Coordenador da Comissão de Infraestrutura e membro da Divisão Jurídica da FEDERASUL.

Para grande parte das empresas as quais se relacionam com a administração pública, é sabido que a previsão de cláusulas de reajuste de preços tem origem na consciência de que as relações econômicas não são estáveis, estando sujeitas a flutuações que podem afetar o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente estatuído. Dessa forma, transcorrido o prazo de 01 ano, os preços estão passíveis de reajuste, conforme previsão contratual.

A questão central é se o índice previsto no contrato representa minimamente a variação dos insumos para o desenvolvimento do objeto do contrato.

Hodiernamente, as altas de preços assumem caráter de normalidade e busca-se com a fixação de índices de reajuste prever as alterações que podem ocorrer, a fim de garantir a manutenção da equação econômico-financeira. Nesse sentido, encontramos ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim trata da questão:

 

Parece claro a todas as luzes que nestes casos a intenção traduzida no ajuste é a de buscar equivalência real entre as prestações e o preço. Em suma: o acordo de vontades, no que atina à equação econômico-financeira, em interpretação razoável, só pode ser entendido como o de garantir o equilíbrio correspondente ao momento do acordo, de sorte a assegurar sua persistência, prevenindo-se destarte o risco de que contingências econômicas alheias à ação dos contratantes escamoteiem o significado real das prestações recíprocas (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 627.).

 

Os contratos administrativos reportam-se a índices oficiais que deverão reproduzir a real modificação deles. Admitindo-se por hipótese que tais índices não reflitam a realidade econômica, prejudicado estaria o equilíbrio pactuado e, portanto, o fim pretendido por tal tipo de cláusula. Assim sendo, mesmo já havendo previsão de índices de reajuste, se a situação econômica sofrer variações — consoante é a situação brasileira — e essa realidade não se refletir no preço, de maneira a garantir a sua equivalência com as prestações, o contratado poderá pleitear junto a administração a revisão do contrato por força da teoria da imprevisão, especificamente no que diz respeito ao índice previsto no reajustamento.

Entendemos que cabe a modificação do índice de reajuste, caso, fundamentadamente, seja demonstrada a sua incompatibilidade com as variações reais da economia. Isso porque a cláusula de reajuste é um meio estabelecido para se alcançar um fim e não se justifica a sua manutenção se este não é alcançado. É o que se depreende da exposição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

 

Exatamente pelas razões aduzidas, se e quando os índices oficiais a que se reporta o contrato deixam de retratar a realidade buscada pelas partes quando fizeram remissão a eles, deve-se procurar o que foi efetivamente pretendido, e não simplesmente o meio que deveria levar – e não levou – ao almejado pelos contraentes. Não padece dúvida de que os índices são um meio e não um fim. A eleição de meio revelado inexato não pode ser causa elisiva do fim, mas apenas de superação do meio inadequado. Para que as partes cumpram devidamente o ajuste em toda sua lisura, boa-fé e lealdade, como de direito, cumpre que atendam ao efetivamente pretendido, respeitando a real intenção das vontades que se compuseram ( MELLO, 2006, p. 628 e 629.)

 

Sem embargo, não se pode olvidar que a mudança do índice de reajuste se presta a corrigir um descompasso entre as variações econômicas reais e a sua repercussão no que foi pactuado pelas partes. Não se trata de oferecer ao contratado uma melhor alternativa de lucratividade. Deve-se demonstrar, então, que a cláusula de reajuste não mantém o equilíbrio da equação econômico-financeira originalmente estatuída. Se assim não for, indevida será a sua alteração.

Assim, inclusive, é o parecer consultivo do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo:

 

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO SUJEITO À ALTERAÇÃO UNILATERAL – ARTIGO 58, INCISO I, DA LEI N° 8666/93 – POSSÍVEL PARA ADEQUAÇÃO AO INTERESSE PÚBLICO – MOTIVAÇÃO ATRAVÉS DA DEMONSTRAÇÃO DOS FATOS SUPERVINIENTES OU CONHECIDOS POSTERIORMENTE – MODIFICAÇÃO PROPORCIONAL AO MOTIVO OCORRIDO; 2. ALTERAÇÃO DO ÍNDICE DE REAJUSTE – POSSIBILIDADE QUANDO SE DEMONSTRAR INADEQUADO PARA MANTER O EQUILÍBRIO DA EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA PACTUADA. PARECER/CONSULTA TC-002/2008. PROCESSO – TC-4949/2007. DOE 28.3.2008, p. 74.

 

         Por todo o exposto, possível é o pedido de alteração cláusula do contrato administrativo para adequá-lo ao interesse público, desde que haja demonstração de fatos supervenientes ou somente conhecidos posteriormente, evidenciando que a solução adotada na licitação se demonstrar inadequada para manter o equilíbrio da equação econômico-financeira pactuada face às variações econômicas reais.

No que diz respeito aos contratos entabulados com a administração federal, há regramento quanto ao reajustamento de preço, no Decreto 1.054/94. No artigo 2º, §1º, está previsto que o “reajuste deverá basear-se em índices que reflitam a variação efetiva do custo de produção ou do preço dos insumos utilizados, admitida a adoção de índices setoriais ou específicos regionais, ou na falta destes, índices gerais de preços. (grifos nossos).

Dessa forma, questiona-se, por exemplo, se o índice INPC tem o condão de refletir efetivamente os preços e insumos utilizados em uma obra de engenharia? Parece-nos que não. Explica-se.

Espera-se que o índice de reajustamento anual seja capaz de recompor a equação econômico-financeira inicialmente pactuado entre as partes. Deste modo, o índice contratual deve refletir os eventuais acréscimos de custo advindos dos aumentos dos insumos. Por sua vez, o objetivo do INPC é medir a variação do poder de compra de produtos básicos por parte da população de baixa renda. Dessa forma, será que o INPC representaria bem a variação de preço dos insumos de um contrato de engenharia? Será que há outro ou até outros índices que poderiam melhor refletir a variação de preços dos insumos utilizados pela empresa caso o contrato transpasse o prazo de 01 ano?

         Entende-se que o pedido administrativo buscando a alteração do índice previsto no contrato para outro — ou até mesmo outros — o qual melhor reflita a variação dos preços do insumo, desde que devidamente fundamentado, é cabível, consoante entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.

PUBLICADO EM: 24 de março de 2021