Compliance, transparência e Responsabilidade empresarial em tempos de pandemia

Vivemos um momento único. Inundados de conteúdo de qualidade, esgotados com a sobrecarga de trabalho, com ensino a distância, buscando adaptar um home office fluído, mas ao mesmo tempo disciplinado e sistemático.

Em paralelo, a agonia dos negócios quebrando, de projetos encerrados, de contratações desfeitas, de eventos cancelados, de demissões em escala.

Não temos fórmula pronta para este cenário. Estamos construindo um novo normal. Aprendendo a usar como nunca a tecnologia a nosso favor. Mudando a rota para adequar projetos e prestação de serviços.

Superar adversidades em meio a tão grave crise – mantendo a transparência, o cumprimento da legislação, e os princípios das empresas, é desafio extra ou pilar de sustentação?

Para alguns, desafio extra, entendimento de que não é o momento. Para os empresários preparados, e para os verdadeiros líderes, a oportunidade de mostrar a importância da governança e do compliance como pilares de sustentação e viabilidade estruturada dos negócios.

Mais do que sermos resilientes, neste momento precisamos usar a crise para o crescimento, nos beneficiarmos com o caos, como nos ensina Nassim Taleb, na obra Antifrágil.

Uma empresa resiliente é aquela capaz de se adaptar às adversidades. O antifrágil não só se adapta. Ele cresce com as adversidades, e constrói o sucesso no mundo das incertezas.

E para que isso aconteça precisa alicerçar seu desenvolvimento em um proposito maior, que vá além do resultado financeiro. Aceitando tentar e errar – porque não conhecemos as respostas deste novo cenário. Mas o fazendo dentro de uma estrutura de governança e compliance.

Por isso inovação, transparência, propósito e responsabilidade social e empresarial são genuinamente importantes neste momento. E a capacidade de liderar nossos times dentro destes princípios e propósitos são tão imprescindíveis.

Trabalhando remotamente, precisamos mais do que nunca fomentar com o time o engajamento, o pertencimento – do contrário nossas instituições e empresas se esvaziam.

E aquelas reuniões intermináveis? O que realmente é necessário? E quanto as medidas de conformidade?

A crise é uma oportunidade para reavaliarmos as condutas e rotinas das empresas. Mas não podemos permitir que se transforme em uma crise de integridade ou de fragilidade a transparência.

Difícil não pensar nas dificuldades dos gestores de saúde, especialmente os gestores públicos municipais, trabalhando na aquisição de equipamentos e insumos em situação de urgência, sem um suporte jurídico consistente. O avanço da pandemia tem exigido dos governos ações rápidas, tanto para o seu enfrentamento, quanto para seus impactos socioeconômicos. Medidas que visem o atendimento à população e a mitigação do colapso do sistema de saúde, com dispensa de licitação durante a pandemia, ou recebimento de doações sem viabilidade de controle. A empresa escolhida era idônea? Isso foi aferido? Tinha os requisitos técnicos para a entrega? Efetivamente entregou? O equipamento funciona? O insumo era o adequado? o custo é justificável?

Difícil não pensar na tomada de decisões pelos gestores privados, embasadas na frágil flexibilização de várias legislações, em especial tributárias e trabalhistas. Sabemos pouco sobre o real impacto que a pandemia ensejará ao mercado de trabalho. Talvez algumas funções ou atividades mudem. Outras simplesmente desapareçam.

Como não considerar a relevância do compliance neste momento? Como não realizar a tomada de decisões contando com o suporte de um comitê de crise, multidisciplinar, que consiga avaliar o cenário global e contribuir na decisão dos caminhos mais adequados para o negócio (prevenindo, detectando e respondendo às demandas).

Os riscos envolvidos na tomada de decisão estão mapeados? Que respostas serão dadas aos riscos? A propósito: é hora de revisar o mapa de riscos institucional e as políticas de compliance. O momento, aliás, dependendo do tamanho e do objeto da sua empresa, pode merecer a criação de uma política especifica para a crise.

Recentes leituras de conteúdo de qualidade me fizeram refletir sobre o que nos define. A forma como reagimos frente as crises, as adversidades, os tombos e tropeços. E quanto as semelhanças entre a pandemia e os programas de compliance, resgatando o “fazer a coisa certa” como cultura (e não para inglês ver…)?

Impossível não enfrentar a ansiedade do pensamento de como será o futuro pós pandemia, o que nos desafia e impõe um sentimento de responsabilidade tremendo sobre as escolhas que estamos fazendo.

Os novos tempos chegaram. E é imprescindível fazermos agora as melhores escolhas possíveis, sabendo que no futuro, seremos julgados pelas escolhas que fizemos hoje – pelo mal que pudemos evitar, mas, especialmente, pelo bem que deixamos de fazer.

O que poderíamos ter feito e não fizemos? O que poderíamos ter feito melhor?

Na batalha pela sobrevivência, as instituições estão sendo compelidas a se adaptar, a ousar, a ampliar sua capacidade digital, a reconfigurar suas competências.

Mas não conseguirão reagir a crise sem planejamento, estratégia, governança – do contrário estarão colocando em risco seu maior ativo: a reputação!

Então: sem desculpas! Os ventos mudaram, adapte-se, e vamos em frente – com ética, transparência, respeito e muita garra!

Eliana Fialho Herzog
Coordenadora da Comissão Permanente de Ética e Compliance e membro da Divisão Jurídica da FEDERASUL

PUBLICADO EM: 20 de maio de 2020