A Possibilidade de Reabilitação de Empresas Declaradas Inidôneas

Uma análise da Portaria Nº 1.214, de 08.06.2020

A Portaria nº 1.214, de 08.06.2020 regulamenta os requisitos e o procedimento de reabilitação de que tratam o inciso IV e o § 3º do art. 87 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, no âmbito da Controladoria-Geral da União.

Segundo o texto, a pessoa física ou jurídica declarada inidônea para licitar ou contratar com a Administração Pública por ato do Ministro de Estado da CGU poderá requerer a sua reabilitação perante a mesma autoridade, observados os requisitos e o procedimento fixados nesta Portaria.

Os requisitos, cumulativos, são:

I – o transcurso do prazo de dois anos sem licitar ou contratar com a Administração Pública a contar da data de publicação do ato que aplicou a sanção de declaração de inidoneidade;

II – o ressarcimento integral dos prejuízos causados pela pessoa física ou jurídica, quando apontados pela Administração Pública, em decorrência dos atos que justificaram a aplicação da sanção de declaração de inidoneidade; e

III – a adoção de medidas que demonstrem a superação dos motivos determinantes da punição, o que inclui a implementação e a aplicação de programa de integridade, instituído de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo art. 42 do Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015.

  • 1º Para fins de comprovação do disposto no inciso II, serão adotadas as definições e a metodologia constantes da Instrução Normativa CGU/AGU nº 2, de 16 de maio de 2018.
  • 2º Para fins de comprovação do disposto no inciso III, serão adotadas, no caso das pessoas jurídicas, as definições e a metodologia constantes da Portaria CGU nº 909, de 7 de abril de 2015.

O procedimento para requerer a reabilitação também está previsto na Portaria. Segundo os dispositivos, o interessado deverá protocolar o pedido instruído com documentação que comprove o preenchimento dos requisitos de que trata o art. 2º perante a Corregedoria-Geral da União – CRG. Feito isso, o pedido de reabilitação será processado pela CRG, que adotará as providências necessárias para a sua instrução, por intermédio da Diretoria de Responsabilização de Entes Privados – DIREP.

A DIREP, por sua vez, poderá requerer ao interessado a complementação da documentação comprobatória dos requisitos de que trata o art. 2º, bem como solicitar informações aos entes lesados e órgãos públicos competentes para a aferição do ressarcimento integral dos prejuízos pelo interessado.

Após eventuais requerimentos e solicitações, o DIREP encaminhará o processo de reabilitação à Diretoria de Promoção da Integridade – DPI da Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção – STPC, que realizará a avaliação do programa de integridade implementado pelo interessado e emitirá manifestação quanto ao atendimento do requisito de que trata o inciso III do art. 2º.

Destaca-se que a portaria prevê que haverá uma avaliação na empresa declarada inidônea da aplicabilidade do programa de integridade, comumente conhecido como COMPLIANCE.

Concluídos os trabalhos instrutórios, a CRG elaborará análise técnica conclusiva acerca do pedido de reabilitação, que conterá recomendação expressa sobre o deferimento ou indeferimento do pleito, com fundamento nos requisitos de que trata o art. 2º. Elaborada a análise técnica, a CRG remeterá os autos processuais à Consultoria Jurídica da CGU – CONJUR/CGU para parecer jurídico, que posteriormente os enviará ao Ministro de Estado da CGU para decisão final.

ATENÇÃO: da decisão proferida caberá pedido de reconsideração à mesma autoridade, no prazo de dez dias úteis, a contar da data de intimação do interessado.

Uma vez indeferido o pedido de reabilitação, não há óbice à propositura, a qualquer tempo, de novo requerimento pelo interessado, desde que fundamentado em provas ou fatos novos.

Essa ferramenta prevista da Portaria poderá ser uma boa opção para as empresas e pessoas físicas as quais pretendem de fato se reabilitarem no mercado de licitações e possam assim fazê-lo.

Contudo, chama-se atenção para este ponto: e se a pessoa física ou empresa buscar reiteradamente essa ferramenta para buscar sua reabilitação cada vez que for declarada inidônea? Imaginemos que a empresa consiga a sua reabilitação e volte a proceder no mercado de licitações e, por algum motivo, nova declaração de inidoneidade lhe é imposta. Passados dois anos, poderá a empresa novamente requerer sua reabilitação?

Será que poderia neste caso a Administração fazer um certo juízo de valor no sentido de verificar a “reincidência” da pessoa jurídica ou física nos casos de declaração de inidoneidade? Será que uma ou cinco declarações nesse sentido não interferem no deferimento de novos pedidos?

Nota-se que em todo o texto o bom senso é notório. Há para as empresas e para as pessoas físicas uma possibilidade de proceder com suas atividades licitatórias, mediante critérios importantes. Agora, essa Portaria não poderá ser interpretada como uma espécie de salvo conduto para pessoas jurídicas e físicas as quais vislumbram uma forma “fácil” voltar ao jogo, mesmo que de uma forma lícita.

Eis um possível dilema a ser enfrentado daqui pra frente.


Mauricio Gazen
Membro da Divisão Jurídica da FEDERASUL.

PUBLICADO EM: 13 de agosto de 2020